A Associação Cannacasa é uma organização sem fins lucrativos criada em 2019 com o objectivo de promover e fomentar o sector industrial do cânhamo. Os objetivos primordiais que fundamentaram a constituição da CannaCasa estão fundamentados na carência que o sector apresenta relativamente a desenvolver, promover e em ver apoiada a produção e o uso de tantos materiais à base de cânhamo quantos os que sejam possíveis, bem como a transformação em vários outros subprodutos de uma maneira sustentável. A Cannacasa trabalha ainda para educar e informar, seja o público em geral através de conferências e workshops, seja através do contacto com os órgãos governamentais e/ou comerciais, de forma a participar de activamente no estabelecimento das infra estruturas necessárias para criar uma indústria à base da espécie Cannabis sativa L. para fins industriais em toda a comunidade internacional.
Assim, e pela via da aprovação no último ano do Decreto Regulamentar 2/2020 (que veio actualizar o Decreto Regulamentar 61/94), foram explicitamente atribuídas à DGAV as funções de autorização do cultivo de cânhamo industrial, conforme previsto no número 4 do art. 13º do Decreto Regulamentar 61/94 na sua versão consolidada. Salvo melhor opinião, o nosso entendimento é que o Decreto Regulamentar enunciado atrás visa assim atribuir aos serviços da agricultura nomeadamente à DGAV as competências para autorização do cultivo para fins industriais mediante requisição do produtor distinguindo-a positivamente dos possíveis fins ilícitos que podem estar associados a esta espécie vegetal.
Desta forma a sujeição a autorização por parte da DGAV independentemente do destino a dar à produção configura-se num instrumento assaz importante para a verificação do cumprimento por parte dos agricultores no exercício da actividade do cultivo de cânhamo para fins industriais das condições que qualificam esta actividade no âmbito da Organização Comum dos Mercados nomeadamente a utilização de variedades pertencentes ao Catálogo Comum de Variedades e Espécies Agrícolas mas igualmente a prossecução da actividade em superfícies devidamente registadas no Registo de Identificação Parcelar (iSIP).
Assim requisições que enderecem os elementos enunciados acima, e que são aliás, os únicos elementos exigidos pelo direito comunitário segundo o artigo 32.º do Regulamento (UE) n.º 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de dezembro de 2013, bem como a alínea c) do artigo 6º e demais artigos que referem o cânhamo no Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de dezembro de 2013 que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas, devem ser autorizadas pela DGAV através do espírito que tem vindo a ser emanado em sede dos julgamentos já realizados no Tribunal de Justiça da União Europeia (vide Processo C-207/08: Caso Babanov e Processo C-462/01: Caso Ulf Hammarsten.
Os fundamentos expostos pelo tribunal, pronunciando-se sobre as questões submetidas pelos agricultores em relação à regulamentação comunitária aplicável à cultura e ao comércio do cânhamo, declaram que os Regulamentos (CEE) n.° 1308/70 do Conselho de 29 de Junho de 1970 que estabelece a organização comum de mercado no sector do linho e do cânhamo conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2826/2000 do Conselho de 19 de Dezembro de 2000 relativo a acções de informação e promoção a favor dos produtos agrícolas no mercado interno e (CEE) n.° 619/71 do Conselho de 22 de Março de 1971 que fixa as regras gerais de concessão da ajuda para o linho e o cânhamo conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1420/98 do Conselho de 26 de Junho de 1998 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito proibir a cultura e a detenção de cânhamo industrial visado pelos referidos regulamentos bem como o facto de que o direito comunitário opõe-se a que um órgão jurisdicional de um Estado-Membro aplique uma legislação nacional que em violação do Regulamento n.º 1782/2003 tem como efeito proibir a cultura e a detenção de cânhamo destinado à produção de fibras ou sementes a que se refere o dito regulamento.
“Por um lado com efeito uma tal proibição ao privar os agricultores abrangidos de qualquer possibilidade de reclamarem o benefício da ajuda afecta directamente a organização comum de mercado no sector do cânhamo. Por outro lado não prossegue um objectivo de interesse geral não abrangido pela referida organização comum de mercado na medida em que os riscos para a saúde humana que implica o uso de estupefacientes foram precisamente tidos em conta no quadro desta.” Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-00781
Tendo em conta o exposto acima, já tentou a CannaCasa, encetar uma reunião instrutória com a DGAV, convocada através do Ofício 01/2021, de forma a tentar harmonizar e articular entre todas as partes envolvidas o processo de autorização para que a época de sementeira decorra sem a existência de constrangimentos, tendo recebido respostas da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, mas igualmente a presença do IFAP em reunião. Igualmente, vários associados da CannaCasa já tentaram, sem sucesso, dar seguimento ao processo de instrução das suas requisições de autorização de cânhamo para fins industriais. Neste momento, e pelo facto da janela de oportunidade para uma sementeira óptima estar a passar sem que estes agricultores vejam resolvida a sua situação, vimos por este apresentar uma queixa no provedor de justiça de forma a compreender as dificuldades que, de momento, existem na aplicação da lei, mas sobretudo para contribuir humildemente e urgentemente para uma maior celeridade naquela que é a tramitação destas requisições de autorização.
A CannaCasa compreende que a DGAV está encarregada de inúmeras iniciativas e actividades que decorrem da presidência portuguesa do Conselho Europeu, o que naturalmente condiciona a tramitação dos processos, principalmente quando esta legislação é aplicada pela primeira vez. Acreditamos, no entanto, que a DGAV, tal como a CannaCasa, viu aumentar exponencialmente o número de contactos e interessados na cultura, e dado que há todo um novo enquadramento legislativo que é novo para todos, suscita, portanto, dúvidas em sua aplicação. Não obstante disso, acreditamos que será de todo positivo encontrar canais de entendimento que proporcionem a troca de conhecimento mas que principalmente permitam uma aplicação da legislação funcional e harmonizada com aquele que é o direito europeu mas que igualmente procure articular e agilizar a situação de estrangulamento à qual estão a ser sujeitos dezenas de agricultores.